27

May

2019

Resistência Insulínica, hiperinsulinemia e infertilidade

Analisar com base nos artigos estudados a correlação entre resistência insulínica e hiperinsulinemia como causa de infertilidade.

Introdução

A resistência insulínica é o estado no qual quantidades maiores de insulina do que o normal são necessárias para provocar uma resposta quantitativamente normal. Ocorre quando as células do organismo passam a responder de forma insuficiente à presença de insulina, devido a falha nos receptores de insulina principalmente nos adipócitos e nas células musculares. Sua causa é multifatorial mas tem componente genético visto que 30% das vezes ocorre em quem tem parentes com a mesma entidade. Também tem íntima relação com o aumento de peso e o sedentarismo. Está geralmente associada a doenças como obesidade visceral, doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, síndrome dos ovários policísticos, diabetes mellitus tipo2, esteatose hepática, defeitos na coagulação e fibrinólise e acantose nigricans, não podendo se distinguir quem é a causa ou a consequência dessa patologia, tende em vista que suas fisiopatologias estão interligadas.Faz parte de uma entidade maior denominada síndrome metabólica onde encontramos pelo menos 3 dos 5 critérios: obesidade abdominal (circunferência abdominal >80cm nas mulheres), triglicerídeos ≥150mg/dL, HDL <50mg/dL, pressão arterial ≥ 130/ ≥ 85mmHg e glicemia de jejum ≥100mg/dL. De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes o exame padrão-ouro para o diagnóstico de resistência a insulina é o teste do clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico, porém devido a sua complexidade e alto custo, este está reservado atualmente para pesquisas clínicas. Na prática médica, usamos o teste oral de tolerância a glicose 75g em 2horas, que quando acima de 140mg/dL demonstra uma tolerância a glicose, e o índice de HOMA-IR que acima de 2 está sugestivo da patologia. Podemos ainda associar os exames de glicemia de jejum alterado >100mg/dL, hemoglobina glicosilada >5,7, presença de acantose nigricans e aumento da circunferência abdominal para concluirmos o diagnóstico. Existe uma grande correlação da resistência insulínica com a síndrome dos ovários policísticos (SOP) levando a uma redução da fertilidade nessas pacientes. Por isso a importância de se entender os mecanismos que envolvem essas patologias para que medidas eficazes possam restaurar a fertilidade nas mulheres portadoras de SOP.

Objetivo

Analisar com base nos artigos estudados a correlação entre resistência insulínica e hiperinsulinemia como causa de infertilidade.

Métodos

Pesquisa de estudo na base Medline, por intermédio do PubMed, com levantamento dos trabalhos publicados nos últimos 5 anos.

Resultados

A hiperinsulinemia decorrente da resistência insulínica leva ao aumento da produção de androgênios pela suprarrenal e ovários. Esses androgênios são convertidos em estrogênios; que no sistema nervoso é convertido em catecol-estrogênio que altera os pulsos de GnRh. Consequentemente a liberação de pulsos mais frequentes e intensos de GnRh pelo hipotálamo determina uma maior produção de LH e menor de FSH pela hipófise (LH/FSH>2). O aumento de LH contribui para uma hiperplasia tecal e maior produção de androgênios. Enquanto que a inibina B também aumentada diminui a produção do FSH, levando a uma estagnação da foliculogênese com formação de cistos e anovulação. Também o aumento da insulina diminui a produção hepática da SHBG, o que culmina na maior concentração de androgênios livres circulantes. Essa concentração maior de androgênios circulantes continua a alimentar todo esse ciclo determina a anovulação e infertilidade. Sabe-se ainda que a qualidade oocitária encontra-se diminuída e a receptividade endometrial também. O tratamento da resistência insulínica e consequentemente melhora da fertilidade se baseia em dois pilares: dieta adequada e atividade física. Sabe-se que a perda de peso de 5 a 10% pode restaurar a função ovariana e a ovulação em aproximadamente 50% dos pacientes com SOP. Essa dieta deve ser com baixo teor de carboidratos e gorduras saturadas e baixo índice glicêmico. Preconiza-se que o paciente realize cerca de 150 minutos/semana de exercício aeróbico dividido em pelo menos 3 sessões. Como medida farmacológica pode-se optar pela introdução de metformina principalmente nas mulheres com IMC >30 kg/m², com história prévia de diabetes gestacional ou que mantenham hemoglobina glicosilada >6 mesmo após mudanças de hábitos de vida. A metformina também pode ser usada para indução da ovulação melhorando as taxas de nascidos vivos, de gravidez e de ovulação, se comparado ao placebo, porém não é droga de escolha para esse fim. Outra opção anti-hiperglicemiante são as gitozonas que são drogas sensibilizadoras de insulina. Segundo o Guideline ESHRE 2018 , nas pacientes candidatas a indução da ovulação, o letrozol é considerado droga de primeira linha, porém seu uso ainda é off label.O citrato de clomifeno pode ser usado preferencialmente, quando se considera citrato de clomifeno ou metformina para indução da ovulação em mulheres com SOP que são obesas (IMC ≥ 30 kg / m 2 ) com infertilidade anovulatória e deve ser associado a metformina em mulheres com SOP que são resistentes ao citrato de clomifeno, com infertilidade anovulatória e outros fatores de infertilidade, para melhorar as taxas de ovulação e gravidez. O risco de gravidezes múltiplas é aumentado com o uso de citrato de clomifeno e, portanto, o monitoramento deve ser considerado. As gonadotrofinas podem ser usadas como agentes farmacológicos de segunda linha em mulheres com SOP que falharam na terapia de indução da ovulação oral de primeira linha e são anovulatórias e inférteis ou podem ser utilizados como primeira linha se possível com acompanhamento ultrassonográfico e aconselhamento de custo e gestação múltipla. E por último, a fertilização in vitro pode ser uma boa opção para as mulheres que não tiveram sucesso com terapias prévias. Estudos ainda mostram que, a suplementação de vitamina D em pacientes inférteis com SOP e com déficit dessa vitamina, diminui o nível sérico do hormônio anti-mulleriano, da insulina de jejum e do índice de HOMA-IR, contribuindo para melhora da fertilidade nessas pacientes.

Conclusão

A resistência insulínica, e consequentemente a hiperinsulinemia, têm sido apontado como causa de hiperandrogenismo, anovulação e infertilidade em pacientes com a síndrome do ovário policístico, por mecanismos já bem estudados nos últimos anos. Sua íntima correlação com aumento do peso corpóreo e da gordura visceral e, muitas vezes associada a síndrome metabólica, nos ajuda propor tratamentos que visam melhorar a qualidade de vida dessas mulheres, diminuição das suas comorbidades e retorno do seu potencial fértil.

Referência bibliográfica

1. Mayer SB1, Evans WS, Nestler JE. Polycystic ovary syndrome and insulin: our understanding in the past, present and future. Women’s Helathy (Lond). 2015, marco, 11.

2. Niu Z1, Lin N, Gu R, Sun Y, Feng Y. Associations between insulin resistance, free fatty acids, and oocyte quality in polycystic ovary syndrome during in vitro fertilization. J Clin Endocrinol Metab. 2014 Nov;99(11)

3. Morley LC1, Tang T, Yasmin E, Norman RJ, Balen AH. Insulin‐sensitising drugs (metformin, rosiglitazone, pioglitazone, D‐chiro‐inositol) for women with polycystic ovary syndrome, oligo amenorrhoea and subfertility Cochrane Systematic Review - Intervention Version published: 28 November 2017

4. Helena J. Teede, M.B.B.S., Ph.D., FRACP, FAAHMSa,b,c,∗, M.B.B.S., Ph.D., FRACP, FAAHMS Helena J. TeedeEmail the author M.B.B.S., Ph.D., FRACP, FAAHMS Helena J. Teede, Marie L. Misso, Ph.D., B.Sc.(Hons.)a,b,c, Michael F. Costello, M.B.B.S., M.Med.(RH&HG), FRANZCOG, C.R.E.I., D.Med.Sc.d, Anuja Dokras, M.D., Ph.D.e, Joop Laven, M.D., Ph.D.f, Lisa Moran, B.Sc.(Hons.), BND, G. Cert. Pub. Health, Ph.D.a,b,c, Terhi Piltonen, M.D., Ph.D.g, Robert.J. Norman, FRANZCOG, FRCPA, FRCPath, FRCOG, C.R.E.I.a,b,h on behalf of the show International PCOS Network. Recommendations from the international evidence-based guideline for the assessment and management of polycystic ovary syndrome. August 2018Volume 110, Issue 3, Pages 364–379

5. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018 / Organização José Egídio, Paulo de Oliveira, Renan Magalhães Montenegro Junior, Sérgio Vencio. -- São Paulo : Editora Clannad, 2017.

6. Dastorani M, Aghadavod E, Mirhosseini N, Foroozanfard F, Zadeh Modarres S, Amiri Siavashani M, Asemi Z. The effects of vitamin D supplementation on metabolic profiles and gene expression of insulin and lipid metabolism in infertile polycystic ovary syndrome candidates for in vitro fertilization. Reprod Biol Endocrinol. 2018 Oct 4

7. Yilmaz B, Vellanki P, Ata B, Yildiz BO. Diabetes mellitus and insulin resistance in mothers, fathers, sisters, and brothers of women with polycystic ovary syndrome: a systematic review and meta-analysis. Fertil Steril. 2018 Aug;110

Resumo para leigos

Resistência a insulina e infertilidade

Muitas mulheres no mundo sofrem com a dificuldade de engravidar. Mulheres com a síndrome dos ovários policísticos muitas vezes não conseguem engravidar por não ovularem. Isso acontece principalmente nas mulheres que estão acima do peso e não menstruam todo mês. A insulina é um hormônio que ajuda a glicose a ser absorvida nas células. Quando temos uma resistência a insulina, há uma dificuldade dessa insulina agir e por isso haverá necessidade de maior quantidade desse hormônio para desempenhar essa função. Consequentemente temos aumento da insulina no sangue e da glicose também, mecanismo esse que pode sobrecarregar o pâncreas que é o produtor da insulina, podendo culminar inclusive em diabetes. A insulina alta no sangue leva a uma irregularidade dos hormônios precursores dos hormônios sexuais femininos, culminando em aumento do hormônio masculino, parada do amadurecimento dos folículos ovarianos e anovulação. Esse mecanismo termina por determinar uma infertilidade. O principal tratamento para reverter esse quadro e retornar a uma boa fertilidade é a perda de peso através de dieta equilibrada com baixo teor de carboidratos e gorduras saturadas e exercício físico aeróbico regular.

Publicado por
Camille Vitoria Rocha Risegato

Publicado por
Carla Staats

Publicado por
Marise Samama

Outros artigos que podem ser do seu interesse

Limites do FSH

O hormônio folículo estimulante (FSH) é um dos marcadores de reserva ovariana mais conhecido no mundo. Ele é considerado apropriado pois é barato, acessível, geralmente tem cobertura pelo plano de saúde, e pode ser encontrado em qualquer laboratório
Jorge Moura
09
Feb
2024

LH: Reposição de Ciclos de Fertilização In Vitro

Comparar os resultados clínicos da fertilização in vitro e transferência de embriões (FIV-ET) entre pacientes em diferentes condições que recebem suplementação de hormônio luteinizante no protocolo longo de agonista de GnRH.
Jorge Moura
09
Feb
2024

Suplementação de fase lútea em baixa complexidade

‍Coito programado e inseminação intrauterina (IIU) são as técnicas de reprodução assistida mais antigas que permanecem sendo utilizadas em todo o mundo.
Jorge Moura
09
Feb
2024