14

February

2018

Relação entre protocolos de estimulação ovariana e aumento da incidência de câncer

O aumento nas taxas de infertilidade e o uso das terapias de reprodução assistida em maiores proporções levantam a discussão sobre os potenciais efeitos das medicações usadas nesses tratamentos no risco de câncer a médio/longo prazo.

Introdução

O aumento nas taxas de infertilidade e o uso das terapias de reprodução assistida em maiores proporções levantam a discussão sobre os potenciais efeitos das medicações usadas nesses tratamentos no risco de câncer a médio/longo prazo.1 O papel dos hormônios no aumento do risco de câncer está bem estabelecido para as neoplasias de mama e ginecológicas, como endométrio e ovário.2 Entretanto, alguns estudos sugerem relação positiva de tais hormônios também com outros tipos de câncer, como o de sistema nervoso central, tireóide, colorretal e melanoma.3A etiologia das neoplasias malignas do sistema reprodutor feminino relaciona-se com fatores hormonais e reprodutores reconhecidos. Teoricamente, é possível que os fármacos indutores de ovulação tenham algum efeito sobre o risco de desenvolvimento destas neoplasias.3 Esta relação causa-efeito entre os tratamentos de infertilidade e o risco de câncer terá implicações importantes nos programas de reprodução assistida. Desta forma, avaliar os efeitos a longo prazo que fármacos indutores de ovulação podem impactar no risco oncológico é um tema que se reveste de grande importância.

Objetivo

Avaliar o impacto dos tratamentos de reprodução assistida na incidência de câncer a médio / longo prazo.

Material e método

Pesquisa de estudos na base Medline, por intermédio do PubMed, levantando-se trabalhos publicados nos últimos 10 anos.

Resultados

Embora alguns estudos tenham mostrado maior risco de tumores ovarianos e de mama em mulheres submetidas à estimulação ovariana para tratamentos de reprodução assistida, entre eles a fertilização in vitro (FIV), outros, incluindo metanálises recentes concluíram que a hiperestimulação ovariana controlada não resultou em maiores riscos de câncer de ovário, uterino ou cervical, quando variáveis com potencial de influência foram levados em consideração. Muitos estudos tiveram curtos tempos de acompanhamento, poucos casos de câncer em grupos controle e informações incompletas sobre exposição e diagnósticos de câncer. Uma vez que a gravidez e o parto exercem um efeito protetor em certos tipos de câncer, o resultado do tratamento de fertilidade pode afetar significativamente as diferenças de risco entre mulheres tratadas e não tratadas.Em revisão sistemática publicada por Siristatidiset al. em 2012, os autores encontraram aumento significativo na incidência de câncer de ovário e endométrio nas pacientes submetidas a tratamentos a fertilização in vitro (FIV), quando comparadas à população geral (RR = 1,50 95% IC 1,17-1,92 para câncer de ovário e RR = 2,04 95% IC 1,22-3,43 para câncer de endométrio). No entanto, quando comparadas apenas à pacientes com história de infertilidade, não houve diferença estatisticamente significativa.4 Estudo de coorte realizado nos Estados Unidos em 2013, incluindo 5 grandes centros de reprodução humana (Boston, Chicago, Nova York, Detroit e Palo Alto), mostraram redução significativa do risco de câncer de ovário em pacientes que engravidaram durante o estudo. Foram acompanhadas mais de 9.000 mulheres que buscaram tais centros para tratamentos de reprodução assistida entre 1965 e 1988, com seguimento destas até 2010. A maior parte das pacientes usaram como indutor de ovulação o citrato de clomifeno, sendo este responsável pelo aumento do risco de câncer de ovário nas pacientes que permaneceram nuligestas após o tratamento. Os autores reforçam em sua conclusão a importância de mais estudos visando seguimento a longo prazo destas pacientes ditas com “infertilidade resistente”.5Em coorte histórica realizada por Van Den Belt-Dusebout et al. publicada em 2016, foram avaliadas mais de 25 mil mulheres buscando avaliar o aumento da incidência de câncer de mama naquelas submetidas a tratamentos de fertilização in vitro. Foram encontrados 836 casos de câncer de mama invasivo em um follow-up de 21 anos em média, porém sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos que realizaram fertilização e  o grupo controle (RR = 1,01, 95% IC, 0,93-1,09). 6 Os mesmos resultados foram encontrados em metanálise realizada por Zhao et al (2015), em que não houve correlação entre aumento da incidência de câncer de mama, endométrio e ovário com os tratamentos de fertilização in vitro.7Em contrapartida, estudo de coorte realizado na Noruega em 2015 mostrou aumento significativo da incidência de câncer de mama em mulheres submetidas a tratamentos de reprodução assistida, em especial a fertilização in vitro. Foram coletados dados do Registro Nacional de Nascimentos de mais de 800 mil mulheres entre 1984 e 2010, sendo encontrados 8037 casos de câncer de mama, destes 138 eram de mulheres submetidas a tratamentos de reprodução assistida (RR 1,20 95% IC 1,01-1,42). O risco relativo foi ainda maior quando se separou as pacientes submetidas a fertilização in vitro e que tiveram seguimento por mais de 10 anos (RR 1,35 95% IC 1,07-1,71). Os autores levantam como ponto positivo do estudo o fato do sistema de saúde local financiar 3 ciclos de FIV/ICSI a todas as mulheres, independente da classe econômica ou área de residência, tornando a amostra bastante heterogênea. Por outro lado, as limitações do estudo incluíram a falta de registro referente aos antecedentes familiares de câncer de mama, idade da menarca, histórico de amamentação e obesidade das pacientes.8Brinton et al. também encontraram aumento significativo no risco de câncer de mama em pacientes submetidas a tratamento de reprodução assistida, no entanto, esses achados ocorreram num grupo muito restrito de mulheres: aquelas submetidas a altas doses de citrato de clomifeno ( doses > 2252mg ou mais de 6 ciclos de tratamento) e nas mulheres com mais de 35 anos que foram submetidas a indução com clomifeno. Apesar de ter havido aumento do risco de câncer nas pacientes que usaram gonadotrofinas, esse dado não teve significância estatística, sendo necessários mais estudos sobre o tema.9Spaan e cols (2015) estudaram a incidência de melanoma em mulheres submetidas a indução de ovulação para FIV. Sabe-se que este é o tumor mais comum entre mulheres, sendo mais incidente durante a vida reprodutiva. Em follow-up de mais de 20 anos, foram encontrados 93 casos de melanoma entre mais de 19 mil mulheres, sendo 72 casos nas pacientes submetidas a FIV, resultado sem significância estatística.

Conclusão

O tratamento com fármacos indutores de ovulação não parece aumentar o risco de câncer em geral, embora a infertilidade possa, por si só, constituir um fator de risco para o desenvolvimento do câncer. Isso significa que a interpretação dos estudos epidemiológicos do risco de câncer após o tratamento da infertilidade é uma tarefa exigente. Parece que certos subgrupos de mulheres inférteis podem estar mais expostos a um elevado risco de câncer como resultado do tratamento da infertilidade. O risco de câncer também depende se a mulher em questão alcançou gravidez e parto como resultado do tratamento.

Referências

  1. Brinton LA, Scoccia B, Moghissi KS, et al. Long-term relationship of ovulation-stimulating drugs to breast cancer risk. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2014; 23: 584 – 593.
  2. Reigstad MM, Larsen IK, Myklesbust TER, et al. Cancer risk among parous women following assisted reproductive technology. Human Reproduction, 2015. Vol. 30, No 8 pp. 1952-1963.
  3. Koomen ER, Joosse A, Herings RM, et al. Estrogens, oral contraceptives and hormonal replacement therapy increase the incidence of cutaneous melanoma: a population-based case-control study. Ann Oncol 2009; 20:358 – 364.
  4. Siristatidis C, Sergentanis TN, Kanavidis P. et al. Controlled ovarian hyperestimulation for IVF: impact on ovarian, endometrial and cervical cancer – a systematic review and meta-analysis. Human Reproduction Update, Vol.19, No.2 pp. 105–123, 2013
  5. Briton T, Lamb EJ, Scoccia B. et al. Ovulation inducing drugs and ovarian cancer risk: results from an extended follow-up of a large United Stated infertility cohort. Fertility and Sterility, 2013. Vol. 100, No 6.
  6. Van Den Belt-Dusebout AW, Spaan M, Lambalk CB et al. Ovarian stimulation for in vitro fertilization and long-term risk ok breast cancer. JAMA, 2016. 316(3): 300-12.
  7. Zhao J, Li Y, Zhang Q, Wang Y. Does ovarian stimulation for IVF increase gynaecological cancer risk? A systematic review and meta-analysis. Reprod Biomed Online, 2015. 31(1) 20-9.
  8. Reigstad MM, Larsen IK, Mykklebust TA et al. Risk of breast cancer following fertility treatment – a registry based cohort study of parous woman in Norway. Int J Cancer, 2015. 136 (5): 1140-1148.
  9. Brinton LA, Scoccia B, Moghissi KS et al. Long term Relationship of ovulation-stimulating drugs to breast cancer risk. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev, 2014. 23(4) 584-592.
  10. Spaan M, Van Den Belt-Dusebout AW, Schaapveld M et al. Melanoma risk after ovarian stimulationfor in vitro fertilization. Human Reproduction, 2015. No 5. 1226-1228.
Publicado por
Andressa de Araujo Lacerda

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