Uso do Intralipid® na Reprodução Assistida

A falha de implantação recorrente é um conceito controverso, mas alguns consensos a consideram como sendo o insucesso de ao menos 2 tentativas de fertilização in vitro, utilizando-se três embriões de boa qualidade. Essa situação clínica é algo extremamente frustrante tanto para médicos quanto para seus pacientes, e a definição de sua causa, bem como de seu tratamento, se apresenta como um dos maiores desafios no campo da Reprodução Humana. Possíveis causas deste insucesso incluem hábitos de vida inadequados como tabagismo, etilismo e obesidade, baixa qualidade dos gametas e embriões, e alterações na anatomia e endométrio uterinos. Entretanto, a grande maioria das causas permanece obscura. Nesse contexto de incerteza, a receptividade endometrial assume cada vez mais papel relevante, principalmente considerando-se a imunoregulação envolvida no sucesso da implantação embrionária.

Como forma de melhorar tal aspecto, inúmeras terapias têm sido experimentadas nos últimos anos com o intuito de solucionar essa suposta causa de falha de implantação, destacando-se aqui neste levantamento bibliográfico os possíveis benefícios do uso do Intralipid. Essa emulsão de lipídios foi inicialmente utilizada com a finalidade de nutrição parenteral, mas mostrou-se ao longo dos anos eficaz na regulação das vias inflamatórias (TH1/TH2) por mecanismo ainda desconhecido, sendo que sua utilização na reprodução assistida vem ganhando destaque nos últimos anos como alternativa terapêutica para os casos de falha de implantação.

Essa revisão visa levantar as mais atuais e relevantes publicações quanto ao tema, com intuito de avaliar a real utilidade do uso do Intralipid e definir quais as possíveis pacientes que se beneficiariam desta terapia e os possíveis riscos envolvidos.

Para leigos

A falha da fertilização in vitro constitui uma situação extremamente angustiante para os casais e médicos envolvidos neste processo. Vários estudos vêm sendo desenvolvidos na tentativa de descobrir a causa deste insucesso e estabelecer o tratamento adequado. A qualidade do embrião que será utilizado, bem como a qualidade do local onde este irá se alojar, ou seja, o útero e o tecido que o reveste (endométrio), são os principais alvos da investigação médica quanto a causa.

No útero, além das alterações no formato da cavidade (pólipos, miomas, aderências, septos) que dificultam a implantação do embrião, o endométrio tem sido cada vez mais avaliado quanto a seu papel, incluindo possíveis reações inflamatórias de rejeição ao embrião que possam ocorrer. Para evitar que essa resposta anormal das células de defesa uterinas ocorra, vários tratamentos têm sido propostos, incluindo o uso do Intralipid, que é uma emulsão de gordura inicialmente utilizada para nutrição venosa, mas que se mostrou benéfica para melhorar a relação entre o embrião e seu local de implantação, reduzindo assim as possíveis falhas da fertilização in vitro. Essa revisão de artigos mostrou que essa temática é promissora, mas requer mais estudos quanto a sua real aplicabilidade, destacando que pode ser uma alternativa para reduzir as perdas inexplicáveis.

Objetivo

‍Avaliar a utilização do Intralipid na Reprodução Humana.

Método

‍Levantamento bibliográfico nas principais bases de dados, dos artigos mais atuais quanto ao tema.

Resultados

1. Nathalee Ledée, et al, 2018: Realizaram estudo coorte prospectivo no período de 2012 a 2017, avaliando 94 pacientes com hiperativação endometrial e falha de implantação. Após a utilização do Intralipid, as pacientes foram reavaliadas, mostrando significante aumento de 54% na taxa de nascidos vivos.
2. Al Zebeid et al, 2019: Randomizou 149 pacientes em dois grupos homogêneos quanto ao uso do Intralipid e uso de solução salina (grupo controle), obtendo aumento nas taxas de gravidez clínica e nascidos vivos, porém sem significância estatística.
3. Krishna Deepika, et al, 2019: Propuseram deduzir, através do estudo da variação da atividade das células NK uterinas, as pacientes que poderiam ser beneficiadas com a terapia do Intralipid, sem encontrar benefício mínimo na obtenção de gravidez clínica.
4. Michael P Rimmer et al, 2021: Realizaram uma Metanálise incluindo 5 RCTs com 843 pacientes, obtendo maior chance de gestação clínica e nascidos vivos, mas destacando limitações.
5. Ping Zhou et al, 2020: Mostraram significância estatística quanto ao aumento da taxa de gestação clínica e nascidos vivos com o uso do Intralipid, porém com qualidade de evidência baixa.
6. Y Dogra et al, 2021: Randomizaram pacientes com células NK uterinas elevadas, mostrando considerável aumento da gravidez química/clínica no grupo que utilizou o Intralipid.

Conclusão:

‍Ressalta-se que a utilização do Intralipid na Reprodução Assistida ainda requer mais subsídios quanto a sua real eficácia e segurança, excluindo possíveis riscos envolvidos. Outro ponto que chama atenção é a necessidade de padronização de testes que tenham a capacidade de avaliar a receptividade endometrial e que possam selecionar melhor as pacientes que se beneficiariam do uso da terapia com o Intralipid. Nesse contexto, impõe-se a necessidade de mais estudos de qualidade metodológica quanto ao tema, mas ressalta-se que os estudos disponíveis se mostram promissores quanto à intervenção terapêutica na receptividade endometrial, e que essa talvez seja o caminho a ser pesquisado quanto ao desafiante processo de insucesso nas tentativas de fertilização causadas por falhas de implantação.

Referências Bibliográficas:

1. Nathalie Ledee, Claudine Vasseur, Marie Petitbarat, ´ Lucie Chevrier, Katia Vezmar, Geraldine Dray, Sandra Cheni`ere, Annina Lobersztajn, Dominique Vitoux, Guy Nino Cassuto, Gerard Chaouat ´ PII: S0165-0378(18)30199-2 DOI: https://doi.org/10.1016/j.jri.2018.09.050 Reference: JRI 2573
2. Jawharah Al-Zebeidi, Mohammed Agdi, Sahar Lary, Solaiman Al-Obaid, Gamar Salim & Dania Al-Jaroudi (2019): Effect of empiric intravenous intralipid therapy on pregnancy outcome in women with unexplained recurrent implantation failure undergoing intracytoplasmic sperm injection-embryo transfer cycle: a randomized controlled trial, Gynecological Endocrinology, DOI: 10.1080/09513590.2019.1631280
3. Krishna Deepika, MS, FRM, a Arveen Vohra, MS, FRM.b a Consultant in Rep Med, Bangalore, India; b Senior Consultant, Milann Fertility Centre, Bangalore, India.Octuber 16,2019
4. Michael P. Rimmer, Naomi Black, Stephen Keay, Siobhan Quenby, and Bassel H. Al Wattar.J. Obstret.Gynaecol.Res. Vol.47, No.6: 2149-2156, June 2021doi: 10.1111/jog.14763.
5. Ping Zhoua,1, Hanglin Wub,1, Xiaona Lina, Shasha Wanga, Songying Zhanga, Assisted Reproduction Unit, Department of Obstetrics and Gynecology, Sir Run Run Shaw Hospital, Zhejiang University School of Medicine, Hangzhou 310016, Zhejiang, China bDepartment of Obstetrics and Gynaecology, Hangzhou Women’s Hospital, No. 369 Kun Peng Road, Hangzhou 310008, Zhejiang, China. 2020, European Journal of Obstetrics e Gynecology and Reproductive Biology.
6. Y Dogra, N Singh, S Mathur. Human Reproduction, Volume 36, Issue Supplement_1July2021, deaab130.374,https://doi.org/10.1093/humrep/dead130,374.Agosto de 2021.